Por Apoena Canuto Cosenza
Tradicionalmente, o debate intelectual se faz em torno das grandes ideias, desenvolvidas por grandes nomes. Na esquerda marxista, isso não é diferente. As obras de Marx, Engels, Lenin, Gramsci, Lukács, entre tantos outros, são amplamente debatidas. Em alguns casos, como Stalin e Mao Tse Tung, suas obras foram alvo de larga difamação. O resultado é que entre a atual esquerda marxista, poucas pessoas leram Mao e Stalin. Aqueles que não as leram, em geral o fizeram por preconceito ou puro desprezo pelas figuras históricas que representaram. Mas, o pensamento de Stalin e de Mao Tse Tung formaram a base teórica por trás de importantes movimentos comunistas na América Latina.
O resultado é que o pensamento marxista-leninista de Stalin, e o pensamento maoísta, jamais desaparecem por completo do debate. No entanto, quando se trata da discussão das contribuições teóricas e práticas ao marxismo, os nomes de Ho Chi Minh e Vo Nguyen Giap são injustificavelmente subestimados. Apesar de ser quase unânime que a guerra entre o povo vietnamita e os Estados Unidos da América marcou a história da humanidade, as contribuições daqueles revolucionários são pouco conhecidas. Em especial no Brasil. A vitória chocante do povo indochinês contra a maior potência imperialista muitas vezes é tratada como fruto do (a) esgotamento do próprio imperialismo (e, portanto, não teria sido fruto do esforço do povo vietnamita); ou (b) fruto da aplicação competente do marxismo-leninismo, munido das contribuições do maoismo. É surpreendente que, na América Latina, poucas pessoas reflitam seriamente sobre as bases da vitória de um povo contra o colonialismo e imperialismo ocidental.
A própria escolha do termo Guerra do Vietnã demonstra a falta de conhecimento que possuímos sobre a vitória do povo indochinês. Aquilo que chamamos de Guerra do Vietnã também se denomina de Segunda Guerra de Libertação da Indochina, que resultou em vitórias revolucionárias no Vietnã do Sul (e reunificação do Vietnã), no Laos, e também no Camboja. A Segunda Guerra de Libertação da Indochina foi, evidentemente, precedida pela Primeira Guerra de Libertação da Indochina. Ambas tiveram como arquitetos da vitória os grandes líderes revolucionários Ho Chi Minh e Vo Nguyen Giap. Também não se deve menosprezar o papel de um dos maiores discípulos de Ho Chi Minh: Pham Van Dong. Ho foi uma dessas raras figuras históricas que serviu de corpo físico para um processo histórico. Nas palavras de Tru’O’Ng Chinh (que foi secretário geral do Partido Comunista do Vietnã entre 1940 e 1956), pela ocasião do 70o aniversário de Ho Chi Minh: “Na história das nações, há grandes homens cujas vidas e obras estão intimamente ligadas a estágios gloriosos da história de seus respectivos países. Tais homens simbolizam frequentemente as virtudes mais nobres de seu povo; durante toda a sua vida, lutam pela liberdade e felicidade de seu povo, cujas aspirações mais queridas e mais firmes revelam suas palavras e ações. O Presidente Ho Chi Minh é um homem assim.”
Uma das características do trabalho do tio Ho (como ficou conhecido) era o seu apreço à atenção cuidadosa com a preparação e esclarecimento das massas. Acreditava que um revolucionário deveria, ao mesmo tempo, trabalhar pela elevação do nível de consciência do povo, mas abraçando os costumes e tradições locais. Para ele, a revolução só ocorreria se houvesse identidade direta entre o povo e os revolucionários. Ainda, tinha especial atenção com a adequação tática e estratégica do movimento revolucionário à cada fase política da luta.
Entre 1919 e 1936, Ho Chi Minh atuou pela formação e consolidação de um Partido Comunista na Indochina. Para atingir esse sucesso primeiro formou as organizações “União Intercolonial”, Liga da Juventude Revolucionária do Vietnã, e Liga dos Povos Oprimidos da Asia. Em 1929, as primeiras organizações comunistas surgiram no Vietnã, e, em 1930, foram unificadas no Partido Comunista do Vietnã, que mais tarde se tornaria o Partido Comunista da Indochina. Nessa fase, Ho Chi Minh defendia a formação de uma organização com forte disciplina, que ao mesmo tempo tivesse um comando consolidado, mas com células com liberdade de ação (caracterizada pela formulação de um plano de ação), ao modelo de um exército. O programa da organização deveria conter a defesa do confisco de terras e empresas dos imperialistas franceses.
Dessa fase, são os textos “Algumas Considerações Sobre a Questão Colonial”, e o texto “12 recomendações”, ambos de 1922. No “Algumas Considerações Sobre a Questão Colonial”, afirmava: “A mútua ignorância dos dois proletariados resulta em preconceitos. Os trabalhadores franceses veem os nativos como humanos inferiores e insignificantes, incapazes de entender e muito menos de agir. Os nativos consideram todos os trabalhadores franceses como exploradores perversos.” No texto “12 recomendações”, recomendava à “todas as pessoas no exército, na administração e nas organizações de massa”: nunca faltar com a palavra; não ofender a fé e os costumes das pessoas; e mostrar às pessoas que você é correto, diligente e disciplinado. Nota-se as características marcantes dos textos dessa fase de Ho Chi Minh, que eram denunciar os males do colonialismo, ao passo que buscava atrair o apoio dos setores progressistas dos países colonialistas. Ainda, se esforçava para que os militantes anticolonialistas não incorressem no erro de se afastar culturalmente da população local.
Pela ocasião da vitória da Frente Popular nas eleições parlamentares na França, e mediante o acirramento das tensões intra-imperialistas no mundo, Ho Chi Minh formulou uma mudança tática. Defendeu que o Partido deveria atuar através de uma Frende Democrática da Indochina. Essa não deveria pautar a independência da indochina, 3mas sim a conquista de direitos democráticos, que permitissem a atuação legal dos partidos.
Ainda, entendia que os comunistas não deveriam exigir a liderança da frente, mas deveriam se demonstrar como os mais aptos e dedicados membros. Ainda, a Frende Democrática deveria criar laços políticos com a Frente Popular na França. Ho Chi Minh entendia que, naquele momento, uma eventual guerra civil na Indochina beneficiaria o imperialismo japonês.
O texto “A Linha do Partido durante o período da Frente Democrática”, de 1939, resume bem a posição política que Ho Chi Minh defendeu. O texto afirmava, em seu primeiro parágrafo: “Atualmente, o Partido não deve avançar pedidos demasiado exigentes (independência do país, parlamento, etc.). Isso seria deixar-se cair nas armadilhas dos fascistas. Deve formular exigências por direitos democráticos: liberdade de expressão, anistia total para presos políticos; lutar pela legalização do Partido.” Essa posição da Frente Democrática lhe rendeu o crédito de ser racional e resoluto. Quando as tropas de Hitler invadiram a França, e criou-se o regime fascista francês, a parcela da burguesia vietnamita que outrora colaborava com os franceses, mas eram simpáticos à ideia de democracia, passaram para o lado dos revolucionários vietnamitas. Em 1940, o Japão invadiu a indochina, criando uma situação única, onde tanto os colonialistas franceses (agora sob um governo central títere aliado à Hitler) quanto o imperialismo japonês não eram aceitos como alternativa pelo povo vietnamita. Os anos seguintes foram marcados pela formação das organizações revolucionárias pela libertação do Vietnã, incluindo as brigadas de propaganda armada. Em 1945, as forças anti-japonesas foram vitoriosas na Indochina. Dado o papel de grande importância das forças de libertação da indochina, os franceses, que reivindicavam direitos sobre aquela região, se viram forçados a negociar. Ho Chi Minh elaborou a tese que o povo indochinês deveria aceitar concessões, e participar como iguais na União Francesa. Essa posição moderada de tio Ho mais uma vez se mostrou acertada. Quando os franceses passaram a exigir concessões cada vez maior, Ho Chi Minh era a voz da razão. Por isso, não havia dúvidas que ele estava sendo sincero quando dizia que não era possível realizar qualquer acordo com os franceses. Em 1946, iniciou-se a Primeira Guerra de Libertação da Indochina, marcada pela guerra entre a República Democrática do Vietnã e a União Francesa.
O Presidente da República Democrática do Vietnã, Ho Chi Minh, apresentou a linha política que levaria o Vietnã à vitória: a resistência prolongada ao colonialismo. Essa resistência prolongada dependia da emulação patriótica, que se caracterizava pelo esforço da linha de frente para aniquilar o inimigo, e o esforço da retaguarda para elevar a produtividade e fornecer os meios materiais para que a resistência prolongada fosse possível. O pensamento revolucionário vietnamita, dessa forma, se expressava por uma percepção da revolução e da guerra como fenômenos totais. Em outras palavras, a revolução e a guerra de independência deveriam ser travadas no campo político, no campo militar, no campo cultural, e também no campo econômico e científico. As forças revolucionárias do Viet Minh (Liga pela Independência do Vietnã) dependiam das bases materiais fornecidas pelos seus apoiadores. Esse foi um dos frutos do pensamento de Ho Chi Minh e Vo Nguyen Giap.
A Primeira Guerra do Vietnã se deu em três fases. A primeira ocorreu entre 1945 e agosto de 1947, e se caracterizou pela organização das forças do Viet Minh. Teve como principais marcos a resistência de Dam Bô e a derrota da ofensiva francesa de Viet Bac. A segunda fase foi de 1947 a 1950, tendo como principal esforço do Viet Minh a organização do exército popular unificado. Durou da ofensiva de Viet Bac até as chamadas guerras fronteiriças. A terceira fase durou de 1950 (início das guerras fronteiriças) até 1954 (tomada da guerra de Diem Biên Phú. O período foi caracterizado pelo crescimento e consolidação do exército popular, e resultou na vitória do Vietnã na Primeira Guerra de Independência da Indochina. Na época, as forças libertadoras da indochina estavam organizadas em três tipos do forças: os grupos de combate (de menor porte), que eram os Ký Tap (grupos de combate corporal), e os Vong Tap (grupos de combate armado); as Brigadas de Propaganda Armada, que eram as forças principais móveis da guerrilha de libertação, os grupos de autodefesa, e as milícias regionais; e o Exército de Libertação, que era resultou da unificação das forças de libertação em uma estrutura hierárquica, com unidade de comando.
Durante o período da primeira guerra de independência da indochina, todas novas diretrizes do Partido eram transformadas em poemas por Ho Chi Minh, visando a fácil memorização e divulgação da linha política. A instrução e preparação da massa foi a chave para a vitória do povo vietnamita. Não apenas pela capacidade de insuflar a população, aumentando a capacidade combativa, como pela organização de todos aspectos da vida do povo em torno de um objetivo nacional comum. Ho Chi Minh acreditava que o movimento devia sempre estar preparado para o pior cenário possível, e nunca deveria esperar apoio externo. Como resultado, os apoiadores do Viet Minh mantinham oficinas de produção de armamentos e explosivos. Cada oficina local se dedicava a desenvolver e aprimorar novos equipamentos. O esforço pelo aprimoramento da luta revolucionária se dava em todos os campos. As células de propaganda desenvolviam teatros de ruas, folhetins, e canções de guerra, etc. As experiências de maior êxito também eram repassadas para outras células, que as adaptavam para as realidades locais. Essa visão de Ho Chi Minh, de caráter prolongado e total da guerra, pode ser encontrada de forma bem clara no texto “Apelo de 19 de junho de 1947”, onde diz: “Eu dou a diretiva a todo o exército para combater ainda com maior encarniçamento e lutar com firmeza para arrasar o inimigo. Eu apelo a todos os nossos compatriotas a desenvolverem a produção, a armazenarem nossos cereais em lugar seguro a fiscalizarem os diques e apoiarem o exército. Que os quadros políticos, administrativos e técnicos redobrem esforços para ultrapassarem todas as dificuldades, que corrijam os seus erros e se tornem exemplar.”
Após a vitória da Primeira Guerra de Libertação da Indochina, firmou-se a Conferência de Genebra (de 1954). Lá, houve reconhecimento formal que a antiga Indochina Francesa seria agora formada por 4 países: A República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte, socialista); o Estado do Vietnã (Vietnã do Sul, aliado dos Estados Unidos da América); o Reino do Laos (aliado dos EUA); e o Reino do Camboja (neutro, inicialmente aliado dos EUA, posteriormente se aproximou da República Democrática do Vietnã). Ainda, previa a existência de uma eleição de reunificação entre os dois Vietnãs. Mas, o governo do Estado do Vietnã se recusou a participar de uma eleição reunificadora. Ho Chi Minh, na época, declarou que a luta pela reunificação do Vietnã seria prolongada, assim como a guerra de resistência havia sido.
No interior da República Democrática do Vietnã, formou-se três linhas de como deveria se proceder. Uma linha mais radical, que apontava a necessidade da continuidade da guerra prolongada até a unificação com o sul. Outra, defendia que a República Democrática do Vietnã deveria aceitar a divisão, e trabalhar pelo seu fortalecimento interno. Ho Chi Minh defendeu, no período, a fusão cautelosa das duas linhas, entendendo que era necessário fortalecer a República Democrática do Vietnã, e organizar o trabalho político em todo Vietnã, preparando para uma guerra futura. Como consequência dessa linha, o trabalho dos comunistas no Vietnã do Sul foi o de preparar a formação de uma frente unificada, sem deflagrar a resistência imediata.
Por isso, em 1955, Ho Chi Minh afirmou, no texto Discurso de encerramento do Congresso da Frente Nacional Única: “O Norte constitui, por assim dizer, a base, a origem das forças de luta do nosso povo. Uma casa só se mantém de pé se os seus alicerces forem sólidos.
Uma árvore só cresce bem se as suas raízes forem vigorosas. Devemos fazer tudo para consolidar o Norte em todos os domínios, reforçá-lo e fazê-lo progredir constantemente. Nem se põe a questão de minimizar a importância desta tarefa. É tornando o Norte sólido e forte, intensificando seus progressos que nós asseguraremos efetivamente os interesses do Sul.”.
Enquanto o governo da República Democrática do Vietnã fortalecia sua economia e fazia apelo pela realização da eleição reunificadora, entre 1954 e 1956, o governo do Vietnã do Sul, perseguiu toda espécie de oposição, em especial as seitas budistas que representavam uma alternativa de poder. Ainda, os soldados do ditador Ngo Dihn Diem punia as lideranças dos povoados que se recusavam a colaborar integralmente com o governo. Entre as punições aplicadas pelas tropas de Diem constava o estupro e captura de jovens das aldeias. Até 1958, apesar da repressão brutal, os comunistas conseguiram acalmar o ânimo geral da população, explicando que o movimento não estava pronto para uma guerra revolucionária. Mas, naquele ano, uma aldeia das regiões montanhosas decidiu que era hora de iniciar o levante. Comunicou o representante do Partido Comunista que se os comunistas não se levantassem contra opressão, os povos iriam se levantar sem eles. Espontaneamente, foi iniciada a guerrilha contra o governo de Diem. Naquele momento, Ho Chi Minh passou a defender que os comunistas não podiam deixar o povo lutar e sofrer sozinho. Formou-se uma aliança entre as lideranças das aldeias sublevadas, seitas budistas rebeldes, e o Partido Comunista do Vietnã, aliança que formou a Frente de Libertação Nacional (Viet Cong). Teve início a Segunda Guerra de Libertação da Indochina, também conhecida como Guerra do Vietnã.
Essa guerra teve seis fases. Ho Chi Minh viveu e contribuiu para a formulação da estratégia política geral do movimento revolucionário na indochina durante as cinco primeiras fases. Na sexta, faleceu antes de sua conclusão. As fases corresponderam aos períodos: (1) de 1956 a 1959, quando o governo de Diem esteve na ofensiva. Essa fase foi caracterizada pela vantagem das forças pró-americanas no Sul; (2) de 1959 a 1961, período caracterizado pela vantagem do movimento guerrilheiro, em fase defensiva; (3) de 1962 a 1963, que foi a fase da chamada guerra especial, onde houve relocação em massa da população na tentativa de desorganizar o movimento de independência do Vietnã. Apesar da aparente vantagem dos governo títere do Vietnã do Sul nesse período, as forças revolucionárias conseguiram se reorganizar de forma eficaz; (4) de 1963 a 1965, que foi a fase de acirramento da guerrilha após a batalha de Bihn-Gia. Nesse período, as ações dos Viet Cong ganharam maior porte. Devido a desmoralização das forças do governo, ocorreu um golpe militar contra Diem, inaugurando uma nova fase da guerra; (5) De 1965 a 1968, ocorreu a americanização da guerra, quando os EUA assumiram maior responsabilidade direta pelas ações contra a guerrilha. Foi o período da tese do General Westmoreland, que defendia que a guerra do Vietnã teria sua vitória medida no número de vietnamitas mortos. Nesse período, houve aparente impasse entre as forças dos Viet Cong e dos EUA; e (6) de 1968 a 1975, que foi a fase das ofensivas revolucionárias. Essas ofensivas visavam colocar a capacidade militar das forças do Vietnã do Sul e dos EUA no limite. Nesse período, o Viet Cong colocou as forças estadunidenses em defensiva.
O resultado foi, que em 1973, após ter amargado duas grandes ofensivas (do Têt, de 1968, e de Nguyen Huê, de 1972), ocorreu a “vietnamização da guerra”. Era o início da retirada dos EUA da guerra. Em 1975, ocorreu a ofensiva Ho Chi Minh, resultando na reunificação do Vietnã. A Segunda Guerra de Libertação da Indochina resultou em: (a) unificação da Vietnã, em 1975; (b) derrubada do Reino do Laos criação da República Popular Democrática do Laos (com regime socialista e aliada do Vietnã), em 1975; e (c) estabelecimento do Kampuchea Democrático, no Camboja (socialista e aliado da China), em 1976.
Entre 1958 e 1964, a Segunda Guerra de Libertação da Indochina teve como principal palco o Vietnã do Sul. Mas, com a americanização da guerra, os EUA passaram a bombardear massivamente o Vietnã do Norte. Wilfred Burchett, jornalista que visitou os dois Vietnãs, na época, descreveu a capacidade do povo vietnamita de resistir. No norte, a guerra tinha dois principais aspectos. O primeiro aspecto era o confronto direto, caracterizado pelo esforço para derrubar os aviões americanos que realizavam o bombardeio. Em 1966, os vietnamitas já haviam abatido quase mil aviões, o que fortalecia a moral do povo vietnamita, e diminuía a moral dos pilotos americanos. Ainda assim, a destruição causada pelos bombardeios era grande. O segundo aspectos da guerra no norte demonstra a justeza da linha política de Ho Chi Minh e de seu núcleo político mais próximo. Tratava-se da guerra econômica e social para o fortalecimento da República Democrática do Vietnã. Esse fortalecimento se caracterizava pela divisa de se preparar para o pior cenário, e agir rapidamente mediante a ação do inimigo. Desde o início do conflito, houve um esforço para preparar materialmente a sociedade para a guerra. Isso significou reorganizar as cidades, preparando abrigos subterrâneos, e criando planos de evacuação massiva. Fábricas foram desmontadas e remontadas em oficinas de baixo da terra. Até mesmo hospitais e escolas foram descentralizados, para evitar que os EUA tivessem a oportunidade de destruir alvos civis de grande porte.
A velocidade da descentralização exigiu do povo vietnamita grande disciplina. O número de professores precisou ser aumentado radicalmente, em pouco tempo. Isso exigiu um enorme esforço na formação de professores. Dada a escassez de recursos, para que isso fosse possível, adotou-se um modelo de educação contínua. Adultos que terminavam o curso complementares eram automaticamente candidatos para curso universitário, por exemplo. Ho Chi Minh entendia que a formação da população era essencial para assegurar a vitória na guerra prolongada.
A descentralização da produção também exigiu esforço científico para o aumento da produtividade. Novas técnicas de produção eram incentivadas, o que resultou na adoção do adubo verde a partir do limo, na criação de abelhas dóceis e de maior capacidade de produção de mel, novos sistemas de irrigação baratos e de fácil reparo, e maior mecanização da agricultura. A tese adotada pela direção vietnamita era que a economia do norte deveria ser organizada de tal forma que servisse de retaguarda tanto para os esforços militares da República Democrática do Vietnã, como para futuras necessidades do esforço revolucionário no sul. Para isso, cada região deveria atingir e superar a autossuficiência. Todo desenvolvimento de técnicas locais, inclusive técnicas tradicionais desenvolvidas isoladamente em cada região, deveria ser aprimorado e socializado com o restante da nação.
No Sul, o pensamento revolucionário de Ho Chi Minh e de Vo Nguyen Giap tiveram impacto similar. Além da divisão militar da guerra em três escalas (formação de grupos de autodefesa nas vilas, grupos móveis regionais, e divisões dos exército de libertação nacional), que já havia se desenvolvido na época da primeira guerra de independência, novas técnicas foram criadas para adequação de cada escala da guerra. A guerra de autodefesa dependia da cuidadosa preparação do terreno. Ainda, utilizava-se da chamada “guerra criativa”, com uso de animais e plantas locais (incluindo montagem de armadilhas com abelhas selvagens, por exemplo). Também se adotava a falsa colaboração com o inimigo, para o confundir. Para o combate localizado, utilizava-se armas de produção local (como o famigerado Rifle de 1000 utilidades, capaz de disparar até bobina de bicicleta) ou armamento capturado do inimigo. Ainda, era comum o uso de ações de propaganda, como teatros políticos, e até uso de macacos com mensagens amarradas para passar palavras de ordem.
Em 1967, Ho Chi Minh afirmou, pela ocasião da Palestra de um curso de aperfeiçoamento e dirigentes do escalão de distrito: “Pelo Partido e pelo povo, os quadros e os membros do Partido devem dispender os maiores esforços. Todos devem estudar a política, a economia, as ciências e a técnica para elevarem suas capacidades a fim de poder desenvolver a economia nacional, vencer no combate e melhorar cada vez mais as condições do povo. Ainda há pessoas que pensam que é sabedoria a mais falar de ciências e de técnica. Mas se nós utilizaremos uma linguagem corrente e simples, nossa linguagem de todos os dias, então isto não tem nada de demasiado sábio, nem de inacessível”. Na visão de Ho, o aperfeiçoamento profissional era parte da luta revolucionária. Desde os primórdios da luta revolucionária, na ocasião de suas 12 recomendações, já estava claro que ele entendia que o papel do revolucionário era também tornar a vida do povo melhor. Conforme o movimento ganhava poder e influência, essa responsabilidade crescia. A luta revolucionária dos povos depende da melhoria e preparação material para que possa se passar de uma fase da luta para seguinte.
Vê-se que o pensamento de Ho Chi Minh e Vo Nguyen Giap traz a percepção de que a guerra revolucionária é uma guerra total, combatida em todos os frontes. Não é apenas uma guerra militar, nem só marcada pela insuflação política. Depende também da preparação cultural e científica do povo. Pensamentos complexos precisam ser elaborados de tal forma que permitam ao povo entender sua essência. Ainda, os revolucionários precisam se tornar um só com o povo. A identidade entre o povo e a vanguarda revolucionária não é, no pensamento de Ho, uma via de mão única. A própria direção precisa adotar costumes daqueles que pretende dirigir. Precisa ter comportamento exemplar aos olhos de seus irmãos de combate. Essa lição ainda não foi aprendida pelos revolucionários brasileiros. Certamente, aqueles que estudarem os textos de Ho Chi Minh estarão mais próximos de compreender as tarefas que o futuro ainda reserva.
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