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Klaus Scarmeloto

Introdução ao Estudo dos Panteras Negras



  • Em relação a colocação do marxismo-leninismo no século XXI, faz-se importante o restabelecimento do arcabouço da tradição comunista, e, somente por sua aplicação ortodoxa, combater a fobia revolucionária causada pelo revisionismo. Com a difusão do revisionismo, acirrou-se ao invés de se resolver, as principais contradições no seio do povo, e os efeitos gerados na teoria marxista propagadaga são diversos: academização do marxismo, excluindo sua faceta revolucionária, com adestramento aos interesses dominantes, faz-se constante o processo que adormece movimentos leninistas, levando-os a cena sem sua substância revolucionária. Infelizmente, este é o caso das tentativas de se abortar o Black Panther Party, nos dias atuais.

  • Neste contexto, para o selo Nova Cultura Popular, coloca-se como vital a tarefa de estudar o partido dos panteras negras, e as razões são fáceis de se compreender: sendo partidários do leninismo, e da causa da revolução mundial, da defesa da luta dos povos, aplicaram decididamente o instrumento do leninismo as experiências concretas do povo negro; lutaram contra deturpação histórica, combatendo todos que tentavam remover o conteúdo revolucionário do leninismo, como foi o caso do kruchevismo soviético; o partido conseguiu extrair as respostas para o problema do povo negro na teoria leninista, fornecendo meios de combater a opressão racial da forma mais eficaz, assim nos dando ensinamentos importantes para o combate à opressão racial sob os princípios do marxismo-leninismo. A atuação do partido dos panteras negras serve de exemplo a todos os comunistas, progressistas e anti-imperialistas brasileiros na luta contra o chauvinismo racial, devendo ser observada sem dogmatismo e mecanicismo por todos os brasileiros.


Os primeiros anos

  • Fundado em Oakland, no dia 15 de outubro de 1966, California, por Bobby Seale e Huey P. Newton, o Partido dos Panteras negras não só viria a tomar a frente da liderança na luta contra a opressão racista, uma das principais forças mundiais a aplicar o leninismo a questão da opressão de raça.

  • As mais de diversas revoltas espontâneas dos negros nos EUA, a partir de 1964, contra a lei de segregação racial Jim Crow, foram importantes precedentes para a formação do partido. O ponto mais alto seria a rebelião de 1967 em Detroit em agoso. Um dos pontos altos dessa revolta foi a rebelião de Detroit de agosto de 1967. Sob este paradoxo, diante da dura repressão, é que o partido se configurou como principal vanguarda dos negros, em abril de 1968, a rebelião aumentou e ocorreu em mais de 100 cidades dos Estados Unidades.

  • Neste sentido, o presidente Mao descreveu o período de 1964-68 como “uma tempestade nunca antes vista na história daquele país. Demonstra que existe uma força revolucionária extremamente poderosa nos mais de 20 milhões de negros dos Estados Unidos”, em sua declaração de apoio à luta dos afro-americanos “Uma nova tempestade contra o Imperialismo”. É nesse período também que são assassinados Malcolm X e Martin Luther King.

  • Inspirados pela atuação de Malcolm X e norteados pelo patriotismo negro mais avançado, seguem organizando o partido e as massas. Do camarada Malcolm X, herderam, principalmente a premissa “ganhar a liberdade por qualquer meio necessário”, sendo fundamental a eles, o que é reconhecido por Newton:“um testamento vivo para o trabalho de Malcolm X quando era vivo”.

  • Logo, o partido nasce, propondo tanto a autodefesa armada das comunidades, em resposta à frequente violência policial que as comunidades negras sofriam, quanto a libertação armada da nação negra e explorada. Sendo que, num contexto primário, o BPP afirmava a necessidade de converter as rebeliões espontânea do povo negro em autodefesa armada e organizada para a revolução. Newton passou, para dirigir tal processo, a escrever o programa do partido. Dizendo, antes de tal tarefa: “precisamos de um programa. Nós temos que ter um programa para o povo. Um programa que se relacione com o povo. Um programa que o povo possa entender. Um programa que o povo possa ler e enxergar, que expresse suas aspirações e necessidades ao mesmo tempo. Deve se relacionar com o significado filosófico de para onde no mundo estamos indo, mas o significado também terá que se relacionar com alguma coisa específica”. Destarte, Newton edificou o programa dos Panteras Negras como se pode ver nos seguintes textos “o que queremos” (pautas materiais e imediatas) e “no que acreditamos” (propostas de longa duração):

  • 1. Queremos liberdade. Queremos o poder para determinar o destino da nossa comunidade negra. Nós acreditamos que o povo preto não será livre até que nós sejamos capazes de determinar nosso destino.

  • 2. Queremos emprego para nosso povo. Nós acreditamos que o governo federal é responsável e obrigado a dar a cada homem um emprego e uma renda garantida. Nós acreditamos que se o homem de negócios estadunidense branco não nos dá emprego, então os meios de produção devem ser tomados dos homens de negócios e ser colocados na comunidade de modo que o povo da comunidade possa organizar e empregar todas as pessoas e dar-lhes um padrão elevado de vida.

  • 3. Precisamos acabar com a exploração do homem branco na comunidade negra. Nós acreditamos que este governo racista tem nos explorado e agora nós estamos demandando a quitação do débito de 40 acres de terra e duas mulas. Quarenta acres e duas mulas foram prometidos 100 anos atrás em restituição pelo trabalho escravo e assassinato em massa do povo preto. Nós aceitaremos o pagamento em moeda corrente, que será distribuída às nossas muitas comunidades. Os alemães estão agora reparando os judeus em Israel pelo genocídio do povo judeu. Os alemães assassinaram seis milhões de judeus. O racista americano tomou parte no massacre de mais de 20 milhões de negros; consequentemente, nós sentimos que esta é uma demanda modesta nossa.

  • 4. Nós queremos moradia, um teto que seja adequado para abrigar seres humanos. Nós acreditamos que se os senhores de terra brancos não dão moradia descente para a nossa comunidade negra, então a moradia e a terra devem ser transformadas em cooperativas de maneira que nossa comunidade, com auxílio governamental, possa construir e fazer casas descentes.

  • 5. Nós queremos uma educação para nosso povo que exponha a verdadeira natureza desta decadente sociedade americana. Queremos uma educação que nos mostre a verdadeira história e a nossa importância e papel na atual sociedade americana. Nós acreditamos em um sistema educacional que dê a nossos povos um conhecimento de si mesmo. Se um homem não tiver o conhecimento de si mesmo e de sua posição na sociedade e no mundo, então tem pouca possibilidade de relacionar-se com qualquer outra coisa.

  • 6. Nós queremos que todos os homens negros sejam isentos do serviço militar. Nós acreditamos que o povo preto não deve ser forçado a lutar no serviço militar para defender um governo racista que não nos protege. Nós não lutaremos e mataremos os povos de cor no mundo que, como o povo preto, estão sendo vitimizados pelo governo racista branco da América. Nós nos protegeremos da força e da violência da polícia e das forças armadas racistas, por todos os meios necessários.

  • 7. Nós queremos o fim imediato da brutalidade policial e assassinato do povo preto.

  • Nós acreditamos que nós podemos terminar a brutalidade da polícia em nossa comunidade negra organizando grupos pretos de autodefesa que são dedicados a defender a nossa comunidade da opressão e da brutalidade da polícia racista. A segunda emenda da Constituição dos Estados Unidos dá o direito de portar armas. Nós acreditamos consequentemente que todo o povo preto deve se armar para a sua autodefesa.

  • 8. Nós queremos a liberdade para todos os homens negros mantidos em prisões e cadeias federais, estaduais e municipais. Nós acreditamos que todas as pessoas negras devem ser libertadas das muitas cadeias e prisões porque não receberam um julgamento justo e imparcial.

  • 9. Nós queremos que todas as pessoas negras quando trazidas a julgamento sejam julgadas na corte por um júri de pares do seu grupo ou por pessoas de suas comunidades, como definido pela Constituição dos Estados Unidos. Nós acreditamos que as cortes devem seguir a Constituição de modo que o povo negro receba julgamentos justos. A 14ª emenda da Constituição dá ao homem o direito de ser julgado por seus pares. Um par é uma pessoa com um acúmulo econômico, social, religioso, geográfico, ambiental, histórico e racial similar. Para fazer isto, a corte será forçada a selecionar um júri da comunidade negra de que o réu é oriundo. Nós fomos, e estamos sendo julgados por júris todo branco que não têm nenhuma compreensão “do raciocínio do homem médio” da comunidade negra.

  • 10. Nós queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz. E como nosso objetivo político principal, um plebiscito supervisionado pelas Nações Unidas a ser realizado em toda a colônia negra no qual só serão permitidos aos negros, vítimas do projeto colonial, participar, com a finalidade de determinar a vontade do povo preto a respeito de seu destino nacional.

  • Em pouco tempo, o partido foi crescendo e se extendendo a várias regiões. Entretanto, não demorou muito para que o partido fosse seguido por segmentos não revolucionários. Do Partido dos Panteras Negras pela autodefesa, posterioremente em São Francisco nasce um novo grupo, o The Black Panther Party of Northern California. Ao saberem disso, Newton e Bobby dirigem-se até lá para se reunirem com eles. Durante o encontro Huey questionou a eles “O que vocês estão fazendo pela comunidade no que tange a luta revolucionária? Se estão fazendo algo pela comunidade na luta revolucionária, nos juntaremos a suas fileiras, mas não vemos vocês fazendo isso, então nos deixem em paz”.

  • Segundo os Panteras Negras, o nascente grupo era umbilicado ao que denominavam negativamente de “nacionalismo cultural”. David Milliard, e os membros do partido naquele tempo, passaram a chamar este outro grupo de “Panteras de Papel”, em nítida analogia ao Timoeiro do Leste, o termo usado por Mao acerca dos “tigres de papel”.

  • Infelizmente, com o passar do tempo, aumentam as contradições entre “Paper Panthers”, sobretudo, no momento que Betty Shabazz, viúva de de Malcolm X, se dirigiu a Oakland destinando-se a Conferência em memória do do histórico Little Malcolm. O BPP contatou os “Panteras de papel” para garantir a segurança Betty Shabazz. Em tal contexto de discussão, Newton abordava a essencial questão da ligação entre a política imperialista estadunidense e a violência policial, tratamentos dados a todos os colonizados pelo imperialismo, tanto dentro como fora de seu território. Ao contrário do BPP, as panteras de papel, negligenciavam este aspecto, em última instância, separando a política nacional e internacional colonialista da violência policial.

  • No ínicio da conferência, notou-se que tais contradições entre ambos os grupos eram antagônicas, já que, em última instância, a política dos panteras de papel levariam a deixar comunidades sem qualquer autoproteção armada, por se focar apenas no identitarismo cultural. Linda Harrison, em seu artigo publicado em 02/1969, viu-se forçada a criticar de maneira aberta os chamados “Nacionalistas culturais”.

  • E assim conclamava:

  • “o nacionalismo cultural, manifesta-se de várias formas, mas todas elas se fundamentam em um fato: uma negação universal e o ato de ignorar as atuais realidades econômicas, políticas e sociais e a concentração no passado como quadro referencial. Este fenômeno não é único nesta etapa da revolução na qual nos encontramos: tampouco é único para a luta por liberdade dos ‘cidadãos’ negros dos Estados Unidos. Frantz Fanon – em Condenados da Terra – disse sobre esse fenômeno: ‘Não existe nenhuma ofensiva, e nenhuma redefinição das formas de se relacionar. Existe uma crispação em um núcleo da cultura cada vez mais estreito, que está se tornando mais e mais inerte e vazio.’ (...) E porque o nacionalismo cultural não possui uma doutrina política como orientação geral – os limites de ser Black and Proud, são imediatos. (...) Como pode um nacionalista cultural afirmar amar um país – e um continente que sofreu com centenas de anos de colonialismo e escravidão, e ainda sofre sob as formas inteligentemente disfarçadas e abertas destas instituições. Como ele pode negar a realidade política da sua própria vida nos EUA ao se vestir com um avental ganês de maternidade (todo colorido e brilhante) para participar da cultura de um povo mergulhado em revolução e revolta? Como pode um nacionalista cultural afirmar aderir à cultura de África, quando esta cultura é uma cultura revolucionária? A solidariedade com todos os povos revolucionários do mundo trouxe uma cultura comum para povos que nada sabem uns dos outros, exceto o fato de que sofrem sob sistemas semelhantes de exploração, degradação e racismo. Que seu povo passou pelas mesmas mudanças e que de maneira alguma seu povo irá recuperar sua dignidade e encontrar sua liberdade a não ser através de um confronto de igual para igual e de cara a cara através de tática e ação revolucionárias. Uma cultura revolucionária é a única cultura válida para os oprimidos!”

  • Neste momento, após a expansão do partido nacionalmente, dirigem os protestos contra a lei de proibição do porte de armas, que deblitaria a prática da autodefesa armada nas comunidades negras. Após seu crescimento e evolução organizacional, o Partido passa a oferecer café de manhã gratuitos (breakfast for school children) as crianças nos locais de sua atuação, serviço médico gratuito, programas de educação e alfabetização, ambulâncias, atendendo assim o básico a população em seus locais de atuação, aplicando a premissa maoísta de servir a povo de todo coração, como um dever de seu programa máximo. Tais programas eram denominados de Serve the People. Huey P. Newton, assinala sobre seu caráter:

  • “reconhecemos que a fim de trazer as pessoas para o nível de consciência necessário para elas seria necessário servir aos seus interesses de sobrevivência desenvolvendo programas que as ajudariam a atender suas necessidades diárias. Por muito tempo, tivemos tais programas não apenas por sobrevivência, mas também por motivos organizacionais. (...) Todos estes programas satisfazem as profundas necessidades da comunidade, mas não são as soluções para nossos problemas. É por isso que chamamos de programas de sobrevivência, ou seja, a sobrevivência pendente de revolução. Dizemos que o programa de sobrevivência do Black Panther Party é como o kit de sobrevivência de um marinheiro de pé em uma jangada. Ajuda ele a se sustentar até que consiga sair completamente daquela situação. Então os programas de sobrevivência não são respostas ou soluções, mas nos ajudarão a organizar a comunidade em torno de uma verdadeira análise e entendimento da situação. Quando a consciência e a compreensão se elevar para um nível superior então a comunidade aproveitará o tempo e se livrará da bota de seus opressores”.


Absorção do marxismo-leninismo

  • O Crescimento do Partido era inevitável:

  • “Até o final de fevereiro de 1968, o BPP ainda era uma pequena organização regional. Mas, até dezembro o Partido havia aberto escritórios em vinte cidades... e até 1970, o Partido havia aberto escritórios em 68 cidades”. Conforme o processo de expansão nacional se desenvolvia, também se moldava sua linha política e teórica, seu norte ideológico. A partir de 1968, o Partido passa a adotar o marxismo-leninismo como ideologia oficial do Partido, conforme Kathlen Cleaver, Secretária da Comunicação do Partido, coloca: “Como marxista-leninistas, o Partido dos Panteras Negras defende a luta revolucionária para estabelecer uma sociedade socialista. Os Panteras se voltaram para o marxismo-leninismo como guia na oposição do Partido ao racismo, sexismo e ao capitalismo. Por exemplo, os princípios do socialismo ditavam a igualdade de gênero entre os membros do Partido, assim como a solidariedade interracial e internacional. Bobby Seale explicava, “a luta contra o chauvinismo masculino é uma luta de classes – isso é difícil para as pessoas entenderem”. Estes princípios também orientaram o Partido dos Panteras Negras para a noção de partido de vanguarda de Lenin. Os membros do Partido dos Panteras Negras obviamente se viam como disciplinados, revolucionários profissionais comprometidos na mobilização de apoio para uma revolução socialista”.

  • O partido passa a afinar relações com o leninismo, em maior grau qualitativo, a partir de 1968. Um dos fatos que comprova tal acirramento de, ocorre quando editam o livro vermelho de Mao, para vender, arrecadar fundos e como leitura obrigatória, junto de Frantz Fanon, a autobiografia de Malcolm X, além de obras de Che Guevara, Lenin, Stalin e outros revolucionários.

  • Huey P. Newton havia estudado as obras escolhidas de Mao na faculdade e para ele foi o ponto de partida para ter se tornado um comunista. Foi por sua proatividade que tais leituras passaram a ser compulsórias no Partido. Bobby Seale afirma por uma conversa que

  • “Newton defendeu que os princípios revolucionários tão concisamente citados no Livro Vermelho deveriam ser aplicados onde pudesse. Ou seja, onde quer que pudessem ser aplicados dentro da margem deste sistema. Huey dizia ‘bem, este princípio não é aplicável à nossa situação neste momento’. Onde o livro dizia ‘O povo chinês do Partido Comunista’, Huey diria ‘mude isto para Partido dos Panteras Negras. Mude de povo chinês para povo negro’. Quando ele via um princípio particular sendo esclarecido em termos chineses, ele iria mudá-lo para aplicá-lo para nós”.

  • Continuando, ele cita uma conversa que teve como Huey: “Bobby, você e eu sabemos que os princípios neste livro são válidos, mas nossos irmãos e companheiros negros não, e eles não vão pagar nem um dólar e nem trinta centavos pelo livro. Então, o que temos que fazer é chegar nos revolucionários brancos que são intelectualmente interessados no livro, vendê-lo, arrecadar o dinheiro, comprar as armas e ir para as ruas com estas. Iremos proteger uma mãe, um irmão, e proteger a comunidade dos policiais racistas. E, em troca, os irmãos irão querer entrar na organização e se relacionar com o livro vermelho. Irão se relacionar com a igualdade social, política e econômica em defesa da comunidade”.

  • Nesse processo, a forma que viam a questão da opressão racial nos Estados Unidos também passa por algumas mudanças, indo além do nacionalismo revolucionário. Sua análise então passou a se aproximar muito da visão dos comunistas negros dos Estados Unidos dos anos 30 ao analisarem a supremacia branca e a Jim Crow, que também era a visão do Komintern, inclusive com documento sobre escrito pelo principal líder negro do CPUSA, Harry Haywood, com apoio de Lenin. Para Haywood, a questão negra nos Estados Unidos se tratava de uma questão colonial, de um “colonialismo interno”, que se baseava na região do Cinturão Negro, no Sul dos EUA, onde majoritariamente residiam os negros, que basicamente eram os ex-escravos que foram trabalhar nas plantações de algodão. Os negros, com a diáspora, foram excluídos tanto de sua identidade de cada região que residiam no continente africano ao serem levados para serem escravos nas colônias, como, no processo da formação nacional estadunidense, foram excluídos da identidade nacional dos “americanos” a partir das leis de segregação da Jim Crow, sendo relegados à condição de cidadãos de segunda classe, subalternos. Por isto, as palavras de ordem de “autodeterminação” na região do Cinturão Negro, na época, levantadas pelo CPUSA.

  • Na época que o BPP surge, a situação em torno do Cinturão Negro mudou, com a migração em massa dos negros do Sul para os Estados do Norte após a Segunda Guerra Mundial, mudando também da vida rural para vida urbana. Ainda assim, os Panteras ainda consideravam que a questão dos negros nos Estados Unidos era uma questão colonial e nacional, sendo uma luta fundamentalmente de libertação nacional (que se ligava ao socialismo), onde os guetos negros seriam parte de uma minoria nacional colonizada internamente por uma potência imperialista e racista. Assim se referem aos guetos negros onde se organizavam, como “colônias negras”, onde podemos ver tais referências à “colônia do Harlem”, por exemplo. Podemos ver um dos panfletos distribuídos nas comunidades que atuavam: “Em nossa luta por Libertação Nacional, estamos agora na etapa de libertação das comunidades. Para libertar nossas comunidades negras do controle imperialista exercido pelos grupos racistas e exploradores no interior das comunidades brancas, para libertar nosso povo, trancado nas masmorras urbanas do imperialismo dos bairros brancos. A nossa luta é contra o imperialismo nas comunidades. Nossas comunidades negras são colonizadas e controladas por fora, e é este controle que necessita ser esmagado, quebrado, despedaçado, por quaisquer meios necessários. A política nas nossas comunidades é controlada por fora, a economia nas nossas comunidades é controlada por fora, e nós mesmos somos controlados pela polícia racista que vem de fora às nossas comunidades e as ocupa, patrulha, aterroriza e brutaliza nosso povo como um exército estrangeiro em uma terra conquistada”.

  • Em outro documento, divulgado em seu jornal: “o povo negro na América possui o direito moral de afirmar sua nacionalidade, porque somos um povo colonizado. Mas a história não permitirá nos afirmar enquanto nação, porque concedeu a nós uma obrigação; levar o desenvolvimento socialista até sua etapa final, livrar o mundo da ameaça imperialista, a ameaça dos capitalistas e dos warmongers. Uma vez que ele é destruído, então não haverá necessidade de nações, porque as nações não precisarão se defender do Imperialismo”. Em um documento onde escrevem sobre a coalizão entre o Partido Peace and Freedom (Paz e Liberdade) e o Black Panther Party, Elridge Cleaver, Ministro da Informação do Partido usa o termo “Revolução na Metrópole branca, libertação nacional na colônia negra” para atender à esta posição tendo em vista a derrubada do capitalismo-imperialismo nos Estados Unidos. Apesar de tudo, deve se lembrar que esta posição de que o povo negro, dentro dos limites territoriais dos EUA era uma nação oprimida que sofria de “colonialismo interno”, antes dos Panteras, também fora retomada por Malcolm X, que exerceu grande influência sobre o Partido.

  • Assim então o Partido dos Panteras Negras se enxergava não apenas como parte da revolução proletária mundial, mas também que estava na mesma condição dos povos oprimidos do Terceiro Mundo – da Ásia, África e América Latina –, e que então também faziam parte do mesmo processo que fazia estes povos pegarem em armas contra o domínio colonial, se vendo então como parte da revolução anticolonial tricontinental. Nisto, passam a divulgar as lutas de libertação nacional, principalmente da África, em seus veículos e documentos. Também passam a procurar contatos internacionais e organizar viagens. Nestes contatos, focavam nos países recém libertados, com governos progressistas (Argélia, por exemplo), e os países socialistas, particularmente a China, Coreia e Vietnã. No que tange a URSS, consideravam que estava se degenerando em social-imperialismo a partir do processo de consolidação do revisionismo na direção do Partido Comunista. Huey, em particular, concebia a União não como uma potência imperialista em concorrência com os Estados Unidos, mas como um satélite do imperialismo norte-americano no Leste Europeu. Neste processo, cada vez mais se viam textos de revolucionários como Ho Chi Minh, Fidel Castro, Kim Il Sung e principalmente Mao Tsé-tung, em seus jornais. Stalin chegava a ser citado também em alguns textos de lideranças (David Hilliard, Chefe de Gabinete do Partido mantinha um quadro de Stalin em seu escritório e chegou a defendê-lo publicamente em entrevista). Nisto, os Panteras chegaram até mesmo a oferecer contigentes de soldados para a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã e seu Governo Provisório Revolucionário da República do Vietnã do Sul. Nguyen Thi Din, Vice-Comandante da Frente chegou a enviar uma carta em resposta à iniciativa dos Panteras: “Estamos profundamente movidos por sua oferta... Esta notícia foi comunicada a todos os quadros e combatentes da FNLV no Vietnã do Sul; tão valentes como vocês, no próprio território dos Estados Unidos. Consideramos-na como uma grande contribuição, um importante evento... No espírito da solidariedade internacional, levaram adiante a responsabilidade com a história, com a necessidade de ações unidas, compartilhando alegrias e tristezas, participando na luta contra o imperialismo norte-americano... Nos últimos anos, a sua justa luta nos EUA nos estimulou a fortalecer a unidade, e a avançar rumo a maiores sucessos”.

  • Apesar da principal influência dos Panteras evidentemente ser o pensamento de Mao Tsé-tung, é interessante analisar a forma como viam a Coreia Popular e Kim Il Sung. Elridge Cleaver, em particular, era um entusiasta da República Popular Democrática da Coreia, de Kim Il Sung e da ideia Juche e chegou a viajar algumas vezes para lá. Para Cleaver, a Coreia era um “farol na vanguarda das massas em luta no mundo”, e a ideia Juche uma “posição criativa, desenvolvendo e aplicando o marxismo-leninismo nas suas próprias condições revolucionárias”, e chegou a afirmar que “após investigação criteriosa acerca do cenário internacional, nossa opinião é que ninguém menos que o camarada Kim Il Sung que fornece brilhantemente a análise marxista-leninista, estratégia e método tático mais profundos para a total destruição do imperialismo e a libertação dos povos oprimidos do nosso tempo”. Cleaver chegou a editar um livro com textos selecionados de Kim Il Sung, escrevendo o prefácio e alegando que o livro deveria ser lido por todos os revolucionários dos Estados Unidos. Os discursos e textos de Kim Il Sung e a história da Revolução Coreana passaram a ser leitura obrigatória nas aulas de educação política do Partido. Nisto, a Coreia passou a divulgar a luta dos Panteras para o povo coreano também; em 6 de julho de 1970, um veículo coreano publicou uma manchete falando que a prisão de centenas dos membros do BPP “representa uma barbaridade fascista sem pudor contra os 30 milhões de negros americanos e um obstáculo intolerável e nefasto para as forças progressistas dos Estados Unidos e os povos revolucionários de todo o mundo”. O próprio Kim Il Sung chegou a enviar uma carta para o Partido desejando “sucessos em sua justa luta para abolir o maldito sistema de discriminação racial dos imperialistas e ganhar liberdade e emancipação”.

  • A viagem de Huey P. Newton para a China Popular de Mao, em 1972 também marcou bastante a sua visão sobre a questão negra nos EUA, como ele afirma: “Eu vi, com meus próprios olhos, como podemos começar a reduzir o tipo de conflitos que estamos tendo aqui. Eu vi um exemplo disso na China... o que vi foi o seguinte: quando fui para lá, estava muito não esclarecido e achava que sabia algo sobre a China. Pensava, como tanto já foi dito, que a China seria um tipo homogêneo de território étnico/racial. Então descobri que 50% do território chinês é ocupado por uma população de 54% de minorias nacionais, grandes minorias étnicas. Eles falam idiomas diferentes, parecem muito diferentes, e comem comidas diferentes. Ainda assim, não há nenhum conflito. Eu observei um dia que cada região – podemos chamá-las de cidades – é realmente controlada por essas minorias étnicas, mas estas ainda são chinesas. Estou falando de uma condição geral na China, onde as minorias étnicas que eu observei, controlam todas suas regiões. Elas possuem o direito de ter representação no Partido Comunista da China. Ao mesmo tempo, têm seus próprios princípios. As cidades deste país poderiam ser organizadas desse modo, com o controle da comunidade. Ao mesmo tempo, não o controle negro de modo que brancos não pudessem entrar, nenhum chinês pode entrar. Eu estou dizendo que haveria democracia no interior da cidade. A administração deve refletir os povos que ali vivem”.

  • Apesar de ter os convidados para alianças na época da “Frente Única contra o Fascismo”, combatiam o revisionismo do CPUSA, que os atacava a partir do oportunismo de direita. Cleaver afirmou que o CPUSA “desafiava o direito do BPP de adotar o marxismo-leninismo – poderíamos fazê-lo apenas se estivéssemos em seus bons escritórios. Então, este princípio do Juche, reforçou a nossa própria autoconfiança. Quando um revolucionário começa a utilizar o marxismo-leninismo, se não é cuidadoso pode ser levado a sentir que está roubando alguma coisa ou que não tem realmente o direito daquilo, e este tipo de coisa leva a abordagem dinâmica que você precisa”. Além disso, William Patterson, dirigente negro do CPUSA, chegou a escrever um artigo defendendo que os Panteras se focassem mais em seus programas de Serve the People do que na autodefesa armada (que para ele, era algo “infantil”), eles estariam mais maduros. Huey respondeu a ele: “Ele é um revisionista e se opõe à luta armada... afirma que porque a nossa linha é provocativa, então se dá à ordem estabelecida uma desculpa para nos matar. Bem, qual desculpa o povo vietnamita lhe deu? Patterson diz que ‘os Panteras aprenderam que nem os negros e nem as massas brancas dos EUA estão prontas para a arma como um instrumento de liberdade, ou para a guerra de guerrilhas, e nem estava a liderança dos Panteras’. Concordo com ele; aparentemente todos não estão prontos para as armas. Mas eu também perguntaria se quer dizer que deveríamos parar de falar sobre as armas? Deveríamos parar de nos defender? Ele está dizendo que a arma não é uma ferramenta que eventualmente teremos que usar? Não deve ser introduzida para o povo? Se a sua resposta à estas questões forem afirmativas, então se segue que o PCUSA deveria largar sua linha Marxista-Leninista e começar uma nova linha. E suponho que sua nova linha seria a linha política eleitoral democrática burguesa que o Partido Comunista Americano abraçou.

  • Os Panteras levam sua teoria para a prática (...) [O resultado foi que] as massas negras deram aos Panteras a maior base de massas que qualquer organização revolucionária dos Estados Unidos já teve. Na festa de aniversário para Huey, o auditório de Oakland abrigou muitos milhares de pessoas negras em aplausos, incluindo não apenas a juventude lumpen, mas famílias, velhos, crianças pequenas, operários, trabalhadores. Em maio de 1969, dezenas de milhares de negros, junto com muitos brancos, latinos e asiáticos, protestaram para exigir que Huey fosse solto. Seguraram o livro vermelho e gritaram ‘Liberdade para Huey, fora os porcos!”, e proclamaram que as duas principais ferramentas de libertação eram a arma e o livro vermelho. Ao levarem adiante a arma, os Panteras despertaram a consciência das massas para o marxismo-leninismo, e abriram o caminho para derrotar o social-pacifismo não apenas na nação negra, mas também na nação chicana, Porto Rico e até mesmo entre os brancos”.

  • Esta mudança também alterou as leituras obrigatórias do Partido nas aulas de Educação Política. Junto da autobiografia de Malcolm X, Condenados da Terra, de Frantz Fanon, mas também textos de Mao, Che Guevara, Lenin, Marx e Engels, Nkrumah, etc. Entre a direção as leituras obrigatórias eram de 6 livros de Mao ou sobre a Revolução Chinesa, três de/sobre Malcolm X, e um de cada de Huey P. Newton, Fanon e Marx. Em seguida, cada membro deveria auxiliar o outro membro a compreender estes textos. Criticaram também o que chamavam de “esquerda branca”, que eram os setores majoritariamente ligados ao movimento hippie da época que denunciavam o marxismo-leninismo e os países socialistas: “Muitos destes mesmos provocadores culturais também denunciam democracias populares como China, Cuba, Albânia, Coreia Popular, e o Vietnã Democrático porque estes países defendem uma cultura proletária revolucionária e não uma cultura contrarrevolucionária, liberal-burguesa do ‘faça o que você quiser’ que certos ‘esquerdistas’ nos EUA advogam”. Assim o partido deixou de ser um partido baseado apenas na autodefesa das comunidades oprimidas e no nacionalismo negro revolucionário, e se tornou um partido revolucionário de vanguarda, orientado pelo marxismo-leninismo aplicado de maneira viva às suas condições concretas, tal como coloca Elridge Cleaver: “Nós afirmamos: a ideologia do Black Panther Party é a experiência histórica do povo negro e a sabedoria forjada em sua luta de 400 anos contra o sistema de opressão racista e exploração econômica, interpretado através do prisma da análise marxista-leninista feita pelo nosso Ministro de Defesa, Huey p. Newton (...) Quando dizemos que somos marxista-leninistas significa que estudamos e compreendemos os princípios clássicos do Socialismo Científico e que adaptamos estes princípios à nossa própria situação”.


Fred Hampton e a Coalizão Arco-Íris

  • O estabelecimento de alianças, tanto com grupos “brancos” como com outros partidos e organizações, foi um dos aspectos que marcou a história dos Panteras Negras. Uma das suas primeiras coalizões foi com o Partido Paz e Liberdade, inclusive com o BPP lançando candidatos eleitorais pelo Partido. Em uma Conferência de três dias chamada de Comitê Nacional contra o Fascismo em julho de 1969, fizeram esforços em juntar os principais partidos e organizações de esquerda da época, chamando inclusive o Partido Comunista, como já mencionamos. Entre os grupos majoritariamente brancos (principalmente ligados ao movimento estudantil, com exceção do Young Patriots e do Rising Up Angry) que trabalharam conjuntamente com os panteras, estavam o Peace and Freedom Party, o Young Patriots, o Rising Up Angry, Students for a Democratic Society, Patriot Party, White Panther Party, etc. O BPP orientava o grosso desses grupos a organizarem os brancos em suas comunidades e educar o povo de maneira antirracista. Em âmbito organizacional, brancos não eram permitidos nas fileiras do Partido, mas asiáticos e latinos sim; estes de forma geral possuíam suas próprias organizações nacionalistas (Young Lords, Red Guards, La Raza Unida, etc.) que cooperavam com o BPP, mas existe o caso bastante conhecido de Richard Aoki, o único não-negro que fazia parte da direção do Partido. Apesar de tudo, ainda assim a aliança com grupos brancos gerou contradições dentro do Partido, como por parte de Stokely Carmichael que se desligou do Partido por conta dessas divergências, afirmando que temia que o “Partido poderia se tornar tropas de choque negras da nova esquerda e da contracultura”. Huey respondeu aos membros que eram contra estas alianças: “Enquanto o ponto de vista (de trabalhar estritamente com negros) era compreensível, falhou em levar em consideração as limitações do nosso poder. Precisávamos de aliados, e acreditávamos que a aliança com operários e estudantes brancos valia o risco. Em alguns anos, quase metade da população americana seria composta de jovens, e se nós desenvolvêssemos alianças fortes e significativas com a juventude branca, eles iriam apoiar nossos objetivos e trabalhar contra o Establishment”. Huey prossegue: “Os jovens brancos revolucionários se juntaram ao coro pela retirada das tropas do Vietnã, de tirar as mãos da América Latina, contra a ingerência na República Dominicana e também pela retirada da comunidade negra ou colônia negra. Então você tem uma situação onde jovens revolucionários brancos estão tentando se identificar com os povos oprimidos das colônias e contra o explorador”. Exprimindo a linha de Huey, Fred Hampton fez um discurso onde coloca que “o nosso programa de dez pontos está em processo de ser mudado agora mesmo, porque usamos a palavra ‘branco’ quando deveríamos ter usado a palavra ‘capitalista’.”Acreditamos que o ponto mais alto destas alianças, bem como o momento mais avançado do movimento revolucionário estadunidense, tomou forma na Coalizão Arco-íris (Rainbow Coallition), levada a cabo por Fred Hampton, dirigente do Partido de apenas 20 anos em Illinois, Chicago. Partindo da análise dos Estados Unidos como uma prisão de nações, onde se encontravam várias minorias nacionais oprimidas em torno de uma nação, se tentou juntar os vários grupos nacionalistas radicais que organizavam minorias nacionais em torno de uma frente única. Também se juntaram organizações “brancas”, como o White Panther Party e os Young Patriots, organização dos brancos pobres da região de Appalachia, que inclusive usava a bandeira confederada (é sobre eles que Huey P. Newton fala quando fala positivamente sobre “poder branco para o povo branco” em um discurso bem conhecido).

  • Entre os grupos que se juntaram na frente fundada por Hampton, estavam os Young Lords, grupo portorriquenho, Brown Berets, de chicanos, Red Guard, chineses, American Indian Movement, povos originários, etc. Para além de uma frente multirracial, era uma frente que unia diversas nacionalidades oprimidas em torno de uma unidade programática que visava a derrubada do capitalismo-imperialismo nos Estados Unidos e a construção do socialismo. Como parte da perseguição do FBI ao Black Panther Party, Fred Hampton foi fuzilado enquanto dormia pela polícia de Chicago em colaboração com o FBI, quando entraram pela janela em seu quarto. De seu lado dormia a sua esposa, grávida, que saiu ferida, e seu filho, que sobreviveu. Na mesma casa, também estavam outros membros do Partido. Mark Clark, de 17 anos, também foi assassinado enquanto dormia em uma cadeira na sala da casa. Os outros membros sobreviveram, mas ficaram feridos. Segundo documentos do Júri Federal, foram disparados 90 tiros no apartamento aquela noite, sendo apenas um da arma de algum pantera. Com a morte de Hampton, os esforços dentro da Coalizão Arco-íris continuaram, mas sem o mesmo ritmo.


Lumpensinato enquanto sujeito histórico

  • As tentativas de desenvolvimento da aplicação do marxismo-leninismo às condições e experiência concreta do povo negro nos EUA, também implicaram na elaboração de quais sujeitos levariam a cabo uma revolução socialista, tanto as forças principais como as forças dirigentes. Isso levou os Panteras Negras a fazer uma reavaliação do papel do Lumpensinato na revolução. O grosso das massas que o BPP mobilizou e organizou era de pobres urbanos, do qual um contingente importante era composto de “lumpens”. Muitos, inclusive, eram antigos criminosos e bandidos, da qual o BPP reeducava (Fred Hampton mesmo reeducava muitos ex-criminosos para organizá-los pelo Partido em Illinois) para trazê-los para suas fileiras.

  • Sobre as análises marxista-leninistas com relação ao lumpensinato, existiam dois trechos de textos de Mao que colocam a questão de maneira distinta da que Marx trata no 18 Brumário; em Análise das classes na sociedade chinesa, Mao diz: “a atitude em relação a esse grupo constitui um dos problemas difíceis que se apresentam à China. Tais indivíduos são capazes de lutar com a maior coragem, mas são propensos a ações destrutivas. Conduzidos de maneira correta, podem converter-se em uma força revolucionária”. Em outro texto, A Revolução Chinesa e o Partido Comunista da China: “A situação de colônia e semi-colônia deu lugar na China ao aparecimento de uma multidão de desempregados, no campo e nas cidades. Sendo-lhes recusados os meios de levar uma vida honesta, muitos deles veem-se forçados a recorrer a meios ilícitos, entregando-se a pilhagem, banditismo, mendicidade e prostituição, assim como a exploração profissional da superstição. Essa camada social é instável. Enquanto uns se mostram capazes de ser assoldados pelas forças reacionárias, outros são suscetíveis de aderir a revolução. Tais indivíduos não têm espírito construtivo, são mais aptos a destruir do que construir. Quando intervêm na revolução, convertem-se em fonte da mentalidade de bando rebelde errante e anarquismo no interior das fileiras revolucionárias, razão por que precisamos saber remodelá-los, guardando-nos contra o seu espírito destrutivo”. Fanon, que era influência considerável para os Panteras Negras, pegou estes pontos de Mao e desenvolveu sobre o papel do lumpensinato nas revoluções anticoloniais. Para Fanon, o lumpen tanto abre margem para ser massa de manobra dos colonialistas, sendo uma força contrarrevolucionária, como também por conta do que Mao chama de “capacidade de lutar com maior coragem”, pode ser ponto de apoio para as forças revolucionárias, principalmente na cidade como forma de apoio ao movimento revolucionário no campo.

  • Por conta do processo de colonização interna, as massas negras dos Estados Unidos sofriam do mesmo processo que o grosso dos povos do Terceiro Mundo sofriam, de empobrecimento e pauperização em massa, gerando uma massa de lumpens numerosa, com condições de vida muito inferiores ao grosso da classe operária estadunidense, da qual existia um setor bem considerável como parte da aristocracia operária. Assim, Huey P. Newton presta bastante atenção e revisita o papel do lumpensinato na revolução. Para Huey, o lumpensinato negro nos Estados Unidos não era apenas os criminosos, ex-criminosos e desempregados, mas também aqueles que estavam em subempregos e alguns que trabalhavam na construção civil e até mesmo alguns setores da indústria. Ou seja, os setores mais pobres do povo que ficam de fora da economia formal ou setores mais baixos desta economia formal.

  • Algumas análises marxistas consideram que isto levou a uma “ideologia lumpen” como hegemônica dentro do Partido, e que este foi o principal fator da derrota do BPP. Consideramos tais visões errôneas. De fato, é evidente que a ideologia lumpen, dada a base social do Partido, possa ter exercido alguma influência dentro da sua linha política, no processo natural da luta de linhas. Mas a compreensão hegemônica sempre foi a de que esta base lumpen (que dado o contexto, era mais semelhante ao lumpensinato que Mao e Fanon se referem) estava submetida à orientação ideológica do Partido. Assim, ao invés de fazer os lumpens, como Mao considerou acertadamente, serem autodestrutivos, estavam sendo conduzidos por uma linha correta, o que faz esta base ser inclusive remodelada.

  • Além disso, o BPP mobilizava tanto vastos setores de trabalhadores negros, como camadas médias, e pequena burguesia além do lumpen, sendo os pequenos criminosos uma minoria do Partido, que era reeducada e remodelada.

  • Se observarmos os principais discursos de Fred Hampton, por exemplo, veremos que a sua posição é nitidamente uma posição proletária, como em seu famoso discurso de “Eu sou um revolucionário, eu sou o proletariado, e vocês tem que entender a diferença, eu não sou o porco”. Em um discurso feito na Igreja de Olivet em 69, ele fala abertamente: “Temos que encarar alguns fatos. Que as massas são pobres, que as massas pertencem a o que se chama de classe mais baixa, e quando eu falo das massas, estou falando das massas brancas, estou falando das massas negras, e das massas latinas e massas amarelas também. Temos que encarar o fato que algumas pessoas dizem que se luta melhor fogo contra fogo, mas dizemos que se combate o fogo com água. Dizemos que não se combate o racismo com racismo. Vamos combater o racismo com solidariedade.

  • Vamos dizer que não se combate o capitalismo com o capitalismo negro; se combate o capitalismo com o socialismo. (...) Não vamos lutar contra porcos reacionários que andam pra lá e pra cá pelas ruas sendo reacionários; vamos organizar e nos dedicar para o poder político revolucionário e ensinar a nós mesmos as necessidades específicas de resistir à estrutura de poder, nos armar, e combater os porcos reacionários com a Revolução Proletária mundial. É assim que tem que ser. O povo tem que ter o poder; ele pertence ao povo”.

  • E em outro discurso: “Sabe, muitas pessoas se desligam do Partido porque o Partido fala de uma luta de classes. Dizemos primariamente que a prioridade desta luta é a classe. Que Marx e Lenin, Che Guevara e Mao Tsé-tung e qualquer outro que já disse ou sabia ou praticou qualquer coisa sobre revolução sempre disse que uma r

  • evolução é uma luta de classes. Era uma classe – os oprimidos, e aquela outra classe – o opressor. E isso deve ser um fato universal. Aqueles que não admitem isso são aqueles que não querem se envolver em uma revolução, porque sabem que enquanto estiverem lidando com uma questão apenas de raça, nunca se envolverão em uma revolução”. Hampton coloca evidentemente o ponto de vista da classe operária, da maneira com que esta dirige as outras demais classes que podem vir a ter um papel na revolução socialista.

  • Apesar disso, podemos colocar que o Partido errou ao colocar que o lumpen estava substituindo o papel do proletariado. O lumpesinato é uma classe que não pode se portar enquanto classe independente. Como é uma classe impossível de se manter independente, deve assumir ligações com uma classe superior, e esta pode ser tanto a linha política do proletariado revolucionário como da burguesia, a auxiliando na contrarrevolução. O determinante no processo de organização do lumpen por parte do BPP era justamente a sua submissão à uma linha que exprimia a missão histórica do proletariado, que é o marxismo-leninismo. O BPP, assimilando o socialismo científico, e apreendendo os escritos de Fanon e Mao, conseguiu dar direcionamento correto para organizar o lumpen, superando seus aspectos destrutivos e contrarrevolucionários.


Intercomunalismo revolucionário

  • A aplicação do marxismo-leninismo para a sua realidade concreta também levou Huey P. Newton, a partir do método dialético a desenvolver aspectos novos para a verdade geral do socialismo científico tendo em vista seu caráter vivo. Huey assim coloca: “O Black Panther Party é um partido marxista-leninista porque seguimos o método dialético e também integramos a teoria com a prática. Não somos marxistas mecânicos. Algumas pessoas pensam que são marxistas, quando na verdade estão seguindo o pensamento de Hegel. Algumas pessoas pensam que são marxista-leninistas, mas se recusam a serem criativos e, portanto, estão amarrados ao passado. Se amarram à uma retórica que não mais se aplica às atuais condições. Se amarram a uma gama de pensamentos que se aproximam de dogma – o que chamamos de ‘servilismo’.” Huey então desenvolve, a partir do marxismo-leninismo, o que chama de “Intercomunalismo revolucionário”. Para Huey, este termo exprimia a contradição se desenvolvendo entre o “pequeno círculo que controla e se enriquece do Império dos EUA e os povos que querem determinar seu próprio destino”. Para Huey, o “imperialismo não pode existir sem explorar colônias e forçadamente mantê-las dentro do panorama do ‘todo integral’; porque o imperialismo pode trazer nações juntas apenas pelos meios da anexação e conquistas coloniais, sem a qual o imperialismo é, de maneira geral, inconcebível”. Para Huey então, com o processo de hegemonização dos EUA como potência imperialista de primeira ordem, os limites nacionais estavam cada vez menos evidentes, com as nações se tornando “comunidades”, as quais os Estados Unidos estariam submetendo os povos oprimidos do mundo a um domínio neocolonial, com um imperialismo mais centralizado.

  • Huey concebe que as posições da burguesia nacional seriam impossíveis de serem concretizadas no marco deste imperialismo, dado que a posição dos EUA no cenário mundial faria o mundo todo estar interligado, e a saída era ou o “intercomunalismo reacionário”, posição do domínio global dos EUA, ou o “intercomunalismo revolucionário”, que seria a unidade entre “comunidades” oprimidas contra este imperialismo, e em defesa de uma ditadura do proletariado global que derrubasse tal poder político e construísse o socialismo e o comunismo.


Conclusão

  • O Black Panther Party, desde sua fundação, foi alvo da forte repressão das classes dominantes do imperialismo estadunidense. Edgar Hoover, diretor do FBI, classificou o Partido dos Panteras Negras como a “maior ameaça à segurança interna do país”. O FBI, em 1967, criou o COINTELPRO, programa destinado a “neutralizar” grupo “nacionalistas negros”. Seus objetivos eram colocados abertamente: “prevenir uma coalizão de grupos nacionalistas negros; prevenir a ascensão de um messias que poderia unificar e eletrificar o movimento nacionalista militante... Martin Luther King, Stokely Carmichael e Elijah Muhammad, todos aspiram a esta posição; prevenir violência por parte de grupos nacionalistas negros; prevenir grupos nacionalistas negros militantes e líderes de ganharem respeito ao desonrá-los, prevenir o crescimento a longo alcance de organizações nacionalistas negras militantes, principalmente entre a juventude.

  • Após 1969, os Panteras Negras foram o principal alvo, com inúmeros de seus membros assassinados ou presos a partir deste programa. Além disso, forjaram cartas e infiltraram membros a fim de semear confusão nas fileiras do partido.

  • Quando Huey estava preso, forjaram cartas suas alegando a necessidade do fim da luta armada, e que o foco deveria ser exclusivamente nos programas de café da manhã e outros do “Serve the People”. Elridge Cleaver, que estava exilado na Argélia, também recebeu várias cartas falsas de supostos panteras, criticando a direção de Huey e clamando para que voltasse para tomar a direção do Partido. Depois de Huey ter saído da prisão, em uma entrevista a um programa de TV, Cleaver acusa o programa do café da manhã para crianças de reformista e ataca os atuais rumos do Partido.

  • Como resposta, é expulso do Comitê Central, e sai do Partido. Outra forma de destruição dos Panteras Negras que o FBI usou, foi a difusão de drogas pesadas (principalmente heroína) nas comunidades que o Partido controlava. Dado o problema com dependência em drogas ser uma constante nos bairros que atuavam, o Partido enfatizava a crítica às drogas como uma “praga contra o povo”, que semeava a autodestruição para o povo negro. Huey se exila em Cuba em 1973 para fugir de mais uma condenação. A partir dali, Elaine Brown estaria na direção do Partido, fazendo o Partido focar de maneira mais profunda nos programas de sobrevivência, em contraste com as aspirações de Huey, que queria um Partido militarizado. Quando retorna em 1977, não consegue mais a hegemonia dentro do BPP. Abanadona a vida política e vicia-se em cocaína e heroína, e acaba morto em 1989, assassinado por um traficante. Elridge Cleaver voltou do exílio em 1975 com visões mais próximas de Martin Luther King e se declarou culpado pelo tiroteio com a polícia em 1968, do qual era acusado. Também se tornou dependente de cocaína.

  • Este processo, que termina de maneira trágica foi uma experiência breve, mas cheia de ensinamentos e com muitas posições avançadas do ponto de vista da questão negra enxergada sob o prisma do marxismo-leninismo, e que deve ser efetuado um balanço com base na luta em defesa da emancipação do povo negro sob o socialismo científico.

  • Do ponto de vista da luta contra o racismo, tendo em vista a superação não apenas da opressão racial, mas também do capitalismo e pelo socialismo, a apreensão correta do marxismo-leninismo, em seu processo de sistematização, de luta contra as tendências chauvinistas e social-imperialistas da II Internacional, da elaboração de um verdadeiro internacionalismo, em defesa dos povos coloniais e enquanto marxismo da época do imperialismo, além das experiências históricas das Revoluções Coreana e Chinesa, implica necessariamente na luta contra o racismo colonial, em defesa da unidade dos povos, como fator fundamental para todos os revolucionários marxista-leninistas. Nesse sentido que podemos compreender a assimilação do marxismo-leninismo por parte do BPP, de maneira que deu ao povo negro um norte ideológico para que pudesse levar a cabo até as últimas consequências as aspirações do seu povo por emancipação, e como parte da revolução proletária mundial.

  • Assim, podemos conceber a experiência estabelecida pelos Panteras Negras, ainda que curta, como uma tentativa extremamente avançada de desenvolver o marxismo-leninismo se moldando enquanto vanguarda do povo negro nos EUA. Disso se origina esta edição, cujo objetivo é oferecer uma seleção da rica produção prática e teórica do Partido.

  • Uma contribuição do selo Edições Nova Cultura Popular para que se desenvolva o estudo desta experiência revolucionária do povo negro no coração do imperialismo ianque.




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